As Cinzas de Ângela
Se há livro pelo qual tenho um carinho especial esse livro é "As Cinzas de Ângela". Li-o pela primeira vez há 15 anos e é um dos meus preferidos de sempre.
Quando penso na minha infância, pergunto a mim próprio como consegui sobreviver. É claro que foi uma infância infeliz: se tivesse sido feliz, dificilmente teria valido a pena. Pior do que qualquer vulgar infância infeliz é a infância infeliz de uma criança irlandesa, e, pior ainda, de uma criança irlandesa e católica.
Em toda a parte há pessoas a vangloriarem-se ou a lastimarem as atribulações dos primeiros anos das suas vidas, mas não há nada que possa comparar-se à versão irlandesa: a pobreza; o pai alcoólico, indolente e loquaz; a mãe, piedosa e vencida, a lamuriar-se junto à chaminé; padres cheios de pompa; professores ferozes; os ingleses e as coisas terríveis que nos fizeram durante oitocentos longos anos.
Este livro escrito na primeira pessoa por Frank McCourt, e publicado em 1996, centra-se principalmente na sua infância. O autor, filho de pais irlandeses, nasceu nos Estados Unidos em 1930 e quatro anos depois a família regressou à Irlanda, na altura da Grande Depressão.
Entre outros prémios esta obra ganhou o Pulitzer em 1997 na categoria de Biografia ou Autobiografia.
O livro consegue descrever, em grande pormenor, uma infância duríssima, em condições miseráveis, espartilhada pelos dogmas da Igreja Católica, e ao mesmo tempo relata-nos histórias e episódios dessa altura da vida do autor num tom muitas vezes humorístico e terno. A alma deste livro é a inocência e pureza de um miúdo, intrigado e confuso com as atitudes dos adultos - a família, os padres, os professores - e o mundo à sua volta.
Como alguém sobreviveu a uma infância daquelas e saiu dela com uma visão tão singular, e até cómica, sem transmitir um forte sentimento de ressentimento e azedume, é extraordinário.
É um daqueles livros viciantes, que envolve o leitor na história e consegue fazer passar as emoções na perfeição. Quanto mais lemos mais queremos ler e é muito difícil pousá-lo. Já o li mais de uma vez e agarra-me sempre, tal é a riqueza narrativa de Frank McCourt.
O livro foi depois transportado para o cinema, em 1999, e é uma boa adaptação. Claro está que por melhor que fosse, dificilmente conseguiria superar o livro, mas mesmo assim vale a pena ver o filme.